de Conceição Evaristo
Editora Pallas - 2014
Olhos D'Água é o nome do primeiro conto desse livro tão lindo. A personagem conta um dia ter acordado se perguntando qual a cor dos olhos de sua mãe. E a pergunta ficou lhe perturbando, misturando-se às lembranças de sua infância:
"Lembro-me de que muitas vezes, quando a mãe cozinhava, da panela subia cheiro algum. Era como se cozinhasse, ali, apenas o nosso desesperado desejo de alimento. As labaredas, sob a água solitária que fervia na panela cheia de fome, pareciam debochar do nosso estômago, ignorando nossas bocas infantis em que as línguas brincavam a salivar sonho de comida."
A pergunta sobre a cor dos olhos da mãe insiste em meio às lembranças, e ela decide viajar para sua cidade da infância, rever os olhos da mãe, descobrir a sua cor:
"Vi só lágrimas e lágrimas. Entretanto, ela sorria feliz. Mas eram tantas lágrimas que eu me perguntei se minha mãe tinha olhos ou rios caudalosos sobre a face. E só então compreendi. Minha mãe trazia, serenamente em si, águas correntezas. Por isso, prantos e prantos a enfeitar o seu rosto. A cor dos olhos de minha mãe era cor de olhos d'água. Águas de Mamãe Oxum!"
Assim são os contos de Conceição Evaristo, assim são suas escrevivências. Lindas e tocantes, nos levam para o dentro das vidas de personagens, com nomes que falam por si: Duzu-Querença, Natalina, Luamanda, Di Lixão. Maria que, ao pegar um ônibus voltando do trabalho, encontra a morte injusta e cruel. Mais uma - menos uma - Maria. E Dorvi, do conto "A gente combinamos de não morrer" que via tanta dor desde criança, que no seu corpo ela se confundia com prazer. Com o nascimento da menina Ayoluwa, o mergulho por todas essas histórias é encerrado suavemente: ela traz alegria, e é filha de Bamidele, a esperança.
Conceição Evaristo escreve o desamparo, nos conduzindo por vielas de dor de maneira serena. Talvez pela sua capacidade de escrever a dor que conhece de tão perto. Busco palavras para descrever essa escrita, mas não encontro, e talvez não precise, pois ela lhe deu o nome: ESCREVIVÊNCIA. Posso falar do efeito dessa leitura: ela dói, e faz também dos nossos olhos, olhos d'água. Que não serão, nunca, como os dela. Mas ela sabe nos aproximar dessas
"Águas de mamãe Oxum! Rios calmos, mas profundos e enganosos para quem contempla a vida apenas pela superfície. Sim, Águas de Mamãe Oxum."
Publicada em março de 2022, no Instagram.
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