de Elena Ferrante
tradução Marcello Lino
Intrínseca - 2017
"Minha mãe se afogou na noite de 23 de maio, dia do meu aniversário (...)"
Assim Elena Ferrante inicia o romance Um amor incômodo, já adiantando que a história a ser contada terá essa característica. Delia, a personagem principal, percorrerá os caminhos que decorrem da morte de um ente querido: velório, entrada na casa vazia, encontro com pessoas do passado. Nesse percurso, acontece o inevitável: conta a si mesma a história de sua mãe, o que é também contar sua própria história.
Amalia, mãe de Delia, foi encontrada na praia vestindo apenas um soutiã. A morte em circunstâncias incomuns faz também com que Delia se ocupe de tentar entender o que poderia ter acontecido antes do afogamento. O livro trata dessa investigação, que vai sendo costurada por Delia a partir do que sua mãe, costureira, lhe ensinou e deixou de ensinar. A partir das palavras que foram ditas e das que não o foram. "Falar é encadear tempos e espaços perdidos."
O cenário dessa história é a cidade italiana de Nápoles - o mesmo dos outros livros de Ferrante. Essa cidade-personagem é carregada de afeto e de violência. A questão do dialeto ali falado é importante - o que, para uma psicanalista, dá muito o que pensar - já que há duas línguas sempre em jogo na narrativa: a língua materna, e o italiano "culto". O dialeto costuma irromper com toda a sua crueza, e o encontro da personagem com essa língua pode tanto dar contorno à sua experiência, como produzir o contrário: a perda de contorno, a angústia.
Os homens de Nápoles são, em sua maioria, extremamente invasivos: gritam, encostam-se propositalmente nas mulheres nos transportes coletivos, abordam-nas na rua sem qualquer pudor. E olham, olham muito. A palavra italiana para isso é "molesto", e o título original do livro é "L'amore molesto". Nele encontra-se a questão da história: amor que molesta. É mais do que causar incômodo. E notem que em italiano o título tem artigo definido, precisa que se trata de "o" amor. Qual o amor incômodo desse romance? Ferrante o dedica à sua mãe.
Sempre terminamos de ler as narrativas de Elena Ferrante com muitas perguntas, e nisso está sua preciosidade.
Comments