por Mar Becker
Assírio e Alvim - 2022
"em desabrigo venho"
um livro que assim começa desarma por completo a leitora. me proponho a em desabrigo ler. mergulhar na leitura de Mar Becker, usufruindo do prazer, sem me distrair de seus efeitos: o sal que seca no corpo ao sol depois do banho de mar, deixando os pelos raiados de branco.
"nomeio-te inacessível: como a divindade e a água salgada nomeio-te vasta: vinda de quando o céu e o mar eram a mesma voragem"
SAL é texto para ler em voz alta, e a leitura atiça as entranhas das palavras em seus enlaces e desenlaces "amar uma palavra pelo que nela se apaga"
poesia de corpo, de amor "compreender o amor como uma espécie de barbárie contada aos sussurros"
de casa, "a casa, amá-la como perda"
de intimidade "quase todo o ano a umidade se estendia ao insuportável, e o cesto começava a transbordar no banheiro e nos víamos de uma hora para a outra sem ter o que vestir de limpo"
"(na casa, vivem as tais mulheres paradas, que andam paradas; nesse mundo, andar é só uma outra performance da imobilidade)"
livremente associo. o sal em imensidão e abundância, no mar, no salar. o sal em pitadas na comida. nos dois casos impreciso.
minha bisavó dizia que para se conhecer alguém é preciso comer juntos um quilo de sal.
do outro, do amor, do tempo - nunca saberemos bem.
nem da casa, nem do corpo.
"errar pelo caminho
cumprir-me a mim mesma como extravio"
obrigada, Mar Becker, pela imprecisão do sal.
maio de 2023
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