de Andréa del Fuego
Companhia das Letras - 2021
A pediatra criada por Andrea del Fuego é uma personagem Ãmpar: não gosta de crianças e nem mesmo de sua profissão. É uma médica insensÃvel, que exerce suas funções com indiferença:
"Ninguém notava que eu tinha pouca vocação e paciência para ser médica, a boa formação garantia que eu não fosse processada, fazia bem-feito o feijão com arroz, procedimentos que qualquer pediatra faz escondiam minha inaptidão. Meu caso é comum, estudei medicina desapaixonada, com o pai no leme."
Eu resisti um pouco a ler o romance, porque a ideia de uma pediatra tão fria me desgostava, mesmo na ficção. Ainda bem que cedi. CecÃlia é uma personagem inesquecÃvel. Se o enredo do romance fosse diferente, se a autora escrevesse outros episódios da vida de CecÃlia, eles continuariam sendo divertidos apesar de desconcertantes. Ou talvez justamente por isso. O humor ácido de Andrea del Fuego é admirável - nos faz rir quando poderÃamos chorar também. Houve momentos em que me vi diante da "suspensão voluntária da descrença": precisava fazer-de-conta que uma pessoa não poderia pensar ou agir daquela maneira. Embora eu saiba que CecÃlias existem na vida real. E como se não bastasse a própria CecÃlia, os demais personagens são também incongruentes: a escritora não salva ninguém, todos são quebrados. Complexos como são as pessoas. Humanos.
O romance faz duas crÃticas importantÃssimas aos nossos tempos: a primeira, evidentemente, à s práticas de cuidado e saúde, à mercantilização da medicina e também das terapias alternativas. Assim como não salva nenhum personagem, a escritora também não escreve para salvar nenhuma prática, para fazer apologias. A segunda diz respeito ao ritmo insano da nossa vida - CecÃlia age e vive apressada, também porque assim é seu mundo. Nosso mundo. E a própria narrativa, que tem ritmo acelerado, com capÃtulos e frases curtos. Lia impactada e na expectativa do capÃtulo seguinte, buscando a surpresa de como ela contaria a próxima desventura fazendo rir. Encontrava: "Marido infeliz mina até um jequitibá."
"Aos que cuidam, minha gratidão" é a dedicatória da escritora em A pediatra. Não poderia fazer mais sentido. Simplesmente genial.
março de 2022
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