É janeiro, mês no qual frequentemente se faz o balanço do ano que passou, listando o que fizemos ou deixamos de fazer no período que se encerra. E nem bem um ano termina, já chega o outro a pedir a lista do que pretendemos fazer, nos perguntando sobre sonhos novos e antigos. É tempo de listar.
Gosto de fazer listas. Elas traçam um contorno especial em torno das coisas mais diversas, contorno que pode ter a ver com tempo, espaço, deslocamentos. São tantas as categorias disponíveis para dar forma a uma lista que seria impossível enumerá-las. Listas ajudam a definir o que nos falta, o que por vezes sobra e se quer descartar, assim como configuram desejos.
Há as listas do que é preciso fazer no dia ou no ano, listas de tarefas a cumprir ou de sonhos que gostaríamos de realizar. Há listas de viagem, de contas a pagar, do que comprar no supermercado. Imprescindível dizer que, consequente ao confeccionar a lista, há o prazer em eliminar dela o que já foi feito – a alegria de ver riscados os itens que estavam ali, pedindo para serem marcados como prontos.
Já levei minhas listas mais a sério. Os itens pendentes me preocupavam, pedindo pelo ok, pelo risco definitivo da caneta. Eles me perturbavam. Ao não terem sido realizados, me lembravam da minha falta de tempo, de paciência, de competência, às vezes de coragem - porque há itens que têm parentesco com monstros, e por isso exigem coragem para serem derrotados: organizar aquele armário em permanente desordem, por exemplo. Além disso, minha necessidade de listar me dava um pouco de vergonha, tentava lutar contra ela. Em vão.
Eis que descubro não estar só no meu gosto por listar. Ainda que timidamente, comecei a revelar meu vício em ambientes confiáveis. E encontrei uma amiga que padece do mesmo “mal” mas ela, no entanto, se diverte com isso. Por exemplo, ela tem uma lista onde registra desejos que foram se revelando impossíveis de realizar nessa vida – trata-se da lista da próxima encarnação! É uma lista subversiva, que brinca livremente com a dimensão do tempo e com nossa finitude.
O encontro com minha amiga foi libertador. Passei a tomar as listas como formulários de intenções, afrouxando seu caráter de obrigatoriedade. E fui surpreendida ao perceber que elas aprenderam a falar por si próprias. Havia itens que ficavam por fazer, passando insistentemente de uma lista para a seguinte... eu não me livrava deles. Considerei que sua permanência podia indicar, mais do que a dificuldade em dar conta da tarefa, um equívoco: talvez ele simplesmente não precisasse estar ali.
Sim, as listas por vezes nos interpretam - vale escutá-las. Dá pra deixar de insistir em algumas tarefas que teoricamente deveríamos fazer, mas não fazemos? Talvez. Como na deliciosa frase “Por que deixar pra depois o que você pode deixar pra lá?”.
Assim como podemos dispensar, podemos acrescentar, a lista pode ser versátil. Isso permite que outros itens se interponham aos anteriormente elencados - itens imprevistos, mas que muitas vezes, ao se tornarem conhecidos, mostram-se desejáveis. Podem provocar inquietação, talvez até nos façam sentir um pouco deslocados. Mas inquietação e deslocamento são bem vindos, pois podem nos distanciar da repetição do dia-a-dia, nossa velha conhecida.
Engraçado, mas por muito tempo fui avessa às listas dessa época do ano. Fazia coro com aqueles que, de nariz torcido, diziam que os balanços são tolos, que no final das contas trata-se tão somente de mais uma passagem de um mês pro outro. Ao perderem fixidez, as listas se tornam mais interessantes, dando outro colorido ao pragmatismo que poderiam impregná-las nesse momento de passagem.
Seguirmos os mesmos, ano após ano, pode também depender do que incluímos na lista – ela pode ter os compromissos e ambições de sempre entremeados por experiências novas, ainda que singelas: viajar para um lugar novo, ler um autor ainda não lido, ouvir um músico que ainda não conhecemos. Meu desejo para 2014 é uma lista consistente, versátil e divertida, dotada de espaços abertos onde caiba o inusitado. Lista que nos permita ver o de sempre de um modo diferente.
Publicada no Jornal Sul21, em janeiro de 2014.
Eu, na maioria das vezes, fujo de listas. Elas me fazem lembrar de um lado controlador que prefiro deixar escondido.🤐
😍 Eu já fui neurótica com minhas listas, hoje estou tentando relaxar, mas confesso não é fácil. Adoro, seus textos. Beijo, Maria Goreti
Eu também sou viciada em listas, e vou pensar nelas de um jeito mais carinhoso depois desse teu texto. Adorei! Beijo, Alice