Quando chego em Haia, sinto prazer ao me reencontrar com as gaivotas. Lembro da primeira vez que ouvi seu canto no hemisfério norte, estava numa ilha, cercada por um deserto de areia cinzenta e úmida, onde o silêncio era interrompido por elas. Não esqueci dessa experiência, talvez pela combinação dos extremos: o canto, ao interromper o silêncio, dava ainda mais consistência e espessura a ele. As gaivotas me lembravam de onde eu estava: um lugar novo, todo diferente, e acompanhada de pessoas muito queridas. Sou uma turista afetiva, descobri recentemente: escolho meu destino mais para encontrar as pessoas do que para explorar paisagens desconhecidas. Também por isso tenho cultivado esse amor pelas gaivotas do oceano de cima (que é o mesmo oceano da minha vida toda, e é outro). Essa minha perspectiva poética das gaivotas é, no entanto, desmentida pelos habitantes das cidades praianas do oceano de cima, pois elas, além de barulhentas, carregam a má fama de roubar comida dos seres humanos.
Fazia sol e frio naquele dia de dezembro. Pegamos um lanche e fomos comer num dos meus lugares preferidos de Haia, o Buitenhof, onde ficam os prédios do parlamento e o lago Hofvijver (se diz Rofaiver – é um alívio e uma delícia descobrir que sou capaz de pronunciar as palavras em holandês!). Sentamos nos bancos à beira do lago parcialmente congelado, os patos se refestelando e mergulhando (que frio!) ou caminhando sobre o gelo. Eu me sentindo uma local, feliz da vida. Foi quando retornávamos para o centro que se deu o acontecido: o casal saía alegre de um restaurante, os lanches nas mãos. Eu vi a gaivota que vinha por trás deles, olhos fixos na presa, eles olhavam um para o outro, românticos, sorrindo ingenuamente...arregalei os olhos, emiti algum som de advertência, apontei, eles entenderam e protegeram a refeição. Rimos todos, menos a gaivota, que voltou persistente ao seu posto: o toldo de onde espreitava os passantes daquela calçada movimentada por restaurantes. A primeira visão de uma gaivota fazendo tocaia a gente não esquece.
outubro de 2024
Que lindo! É muito bom te ler sempre <3
pois! inesquecível e me acordou uma outra memória gaviotística aqui...