por Mariana Salomão Carrara
Todavia - 2022
Um instante é o suficiente para mudar radicalmente uma vida. Uma, duas, três vidas. Ou mais. Um ato executado em dado minuto e não no seguinte, e pronto. Nada mais resta no lugar - nem as coisas, nem as pessoas. Mariana Carrara conta uma história assim, de vidas alteradas definitivamente por uma tragédia incomum e devastadora. Graças à engenhosidade da escritora, a narradora (Ana) conta os acontecimentos a uma certa distância deles, e por isso acompanhamos sua dor quando ela já não é tão radicalmente aguda. Sabemos que essa distância é imprescindível - sem ela, nos afogaríamos com Ana em seu sofrimento.
A narrativa não é linear - presente, passado e futuro estão entremeados. Lembra o fluxo de consciência de Virginia Woolf, tão vertiginoso quanto preciso, alternando momentos de existir com os de não existir. Vários personagens compõem a trama, alguns presentes às cenas, outros não - dentre os presentes, a casa da narradora, com quem ela estabelece uma bonita conversa. As metáforas preciosas de Mariana nos fazem viajar em nossas próprias vidas, em nossas referências de leitura, em nossas experiências. Nessa história incomum, impressiona como podemos nos reconhecer de alguma maneira. Além disso, a presença da ironia e do humor nos traz respiros. A divisão do texto é feita em capítulos curtos e concisos, e em cada um deles mora um mundo. Suicídio, maternidade, desigualdade social, laços de parentesco, o direito e seu exercício. As circunstâncias que, em seus improváveis desígnios, faz nascer uma amizade da íntima articulação entre morte e vida.
Durante a leitura, me perguntava sobre o sentido da vida diante de tamanha tragédia, sobre o acaso que pode dar origem a um tremendo desamparo. E me chamou a atenção o título do romance, as sílabas do sábado, as palavras que podem trazer desgraça ou alento. Ana é dona de um nome curto, suas duas sílabas são poucas. Mas Mariana lhe ofereceu as personagens Madalena, Catarina e Francisca, com muitas sílabas para se apoiar depois do proparoxítono sábado. A palavra é amizade. A escritora: Mariana Salomão Carrara.
“Não é que o tempo diminua a saudade, o que ele faz é diluir a memória.”
Mariana também é autora de "Se deus me chamar eu não vou" e "É sempre a hora da nossa morte amém", ambos da Editora Nós.
setembro de 2022
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