(ou da alegria de rir de mim mesma)
Desço diariamente, a pé, a lomba extremamente íngreme que separa meu trabalho de casa (para os “locais”, a da Rua Ramiro Barcelos, na altura do Hospital Moinhos de Vento) - e podem crer: se subir é ruim, descer é quase pior. Em dia de chuva é uma temeridade. De salto, nem pensar. Desde que me mudei para esse apartamento, dei fim na grande maioria dos saltinhos. Se chego a sair com um deles e chove... que arrependimento! Agora já deixo uma sapatilha extra no consultório para essas ocasiões. Tudo em nome de manter-se em pé na ladeira.
Confesso que já caí várias vezes descendo a lomba (na subida foi só uma vez, mas não me perguntem como, é inexplicável). Uma delas foi munida de uma sombrinha vermelha à qual me mantive agarrada inclusive quando dei por mim no chão. A pessoa cai, mas não larga a sombrinha. Outra vez, chegando em casa, comentei com a minha filha que tinha caído sentada, e eis que ela tinha, 15 minutos antes, caído no mesmíssimo lugar. É a pior etapa da descida, aquela. Dispensável dizer que a referida lajota foi proscrita.
Desde criança eu caio muito. Tinha as canelas finas sempre salpicadas de manchas multicoloridas: as novas, bem roxas, as mais antigas tornando-se marrons, amareladas. Uma belezura. Minha mãe, preocupada (talvez com razão) me levou a uma neurologista, tantas eram as quedas. Mas, pelo que lembro, a avaliação não resultou em nada muito importante. Eu só era desequilibrada, mesmo.
Andar de bicicleta era (era, não é mais?) um problema. Fácil adivinhar a razão, eu não caía sozinha, trazia a “máquina” comigo. Assim, quando menos esperava, estávamos eu e ela no chão, enredadas, o que rendia alguns arranhões e roxos a mais, como dá para imaginar. Mas dos tombos da infância não lembro tão bem quanto dos da adolescência e da idade adulta. Nunca parei de me esborrachar no chão. E pelo visto não vou parar – só pode ser amor. O último faz poucos meses, um tombo bobo (como quase sempre) que me rendeu um braço tão roxo que precisei usar mangas compridas em pleno dezembro.
Quando caía, chorava... até resistia, tentava segurar, mas não conseguia. Era um choro sentido de dor física e psíquica. Dói o impacto do corpo com o chão áspero, dói encontrar-se subitamente tão próxima do chão, dói vê-lo de perto. À medida que crescemos, o chão vai ficando cada vez mais distante do nosso olhar. Esse outro ponto de vista que surge sem prévio aviso não é, por assim dizer, dos mais agradáveis, além de vir acompanhado de uma certa sensação de inadequação, de fracasso, de fragilidade e da vergonha dela. Mas por que tanto drama?
Não faz muito tempo, fiz uma nova amiga, que se tornou muito próxima, muito querida. Um belo dia confessei a ela esse meu ponto fraco (eu devia estar olhando o chão com receio de cair, como de costume). E descobrimos compartilhar mais esta “preferência”, o gosto por beijar o chão, como ela diz. Diferente de mim, ela fala das suas quedas (encontros com nosso bem-amado comum) de maneira divertida, leve, risonha. Assim, temos tido frouxos de riso compartilhando histórias de quedas várias, além de prestarmos muita atenção em situações de risco pelas quais temos passado juntas – leia-se, quando estamos de pé e em deslocamento.
Eu costumava lidar com meus tombos de maneira pesada, literalmente. Peso na queda, peso na leitura da queda, preocupação (logo depois de levantar, claro) com as conseqüências da queda – quão roxa, inchada, dolorida, vexada... quanto tempo até a recuperação do tombo? Mas convenhamos: uma vez no chão, nada mais há para fazer. Já foi. “Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”, como diz o samba. E por que não aproveitar pra rir um pouco, tornar o corpo desajeitado mais risível do que condenável por sua fragilidade? Vou experimentar no próximo, que não deve tardar. É possível até que a dor seja menos intensa, se acompanhada de leveza... a dor física não sei, mas a psíquica certamente.
Publicada no Jornal Sul21 em março de 2015.
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