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Toracotomia caseira

de Juliana Blasina

Editora Urutau - 2021



Foi no ano passado, num Sarau da @foradaasa, um encontro de mulheres que escrevem, comemorando nossas escritas, fazendo leituras de textos nossos, ou que nos tocavam. A Lorena @lorenamadeinpara leu uma poesia que me impactou, e logo perguntei de quem era: do livro Toracotomia caseira, da Juliana Blasina, ela contou. Juliana mora na cidade de Rio Grande, no sul do Rio Grande do Sul, como a Lorena.

Quando me encontrei com toda a poesia desse livro, fiquei ainda mais sensibilizada pelas palavras da Juliana - sensibilizada e abalada. Toracotomia, para quem não sabe, é a abertura cirúrgica do tórax. Em casa, em isolamento, foi onde alguns (com sorte!) pudemos estar com a pandemia da COVID-19. E é essa a sensação: uma abertura cirúrgica do tórax, feita em casa - na casa, com a casa, conosco e com os outros - o que nos rasgou e ainda rasga desde a visita indesejável do vírus.

A capa do livro é linda, com desenhos de martelo, tesoura, colher... objetos que utilizamos em e na casa. Precisamos desses instrumentos-objetos para mantê-la e nos mantermos. Precisamos também de instrumentos para lidar com a raiva, com a dor e com as perdas, e assim tentarmos nos equilibrar, ainda que sentindo o quanto esse equilíbrio é cada vez mais tênue. A escrita da Juliana pode ter sido um desses instrumentos pra ela, como o foi a escrita para muitas mulheres nesses e noutros tempos. Não sei. Sei que ler uma poesia como a dela me arrebatou: senti suas palavras me rasgando o peito - e, por isso mesmo, me senti ainda mais viva.

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utensílios


Como dizer usando colheres

dizer enquanto borbulha

dizer sem queimar

o arroz

dizer de dentro de uma panela

de cinco litros

picando legumes

com as pontas dos dedos


como dizer encarando batatas

sem ironia

dizer

que seu destino é virar

purê.


como dizer entre colheres

conchas

e escumadeiras

que a faca é também

um objeto feminino.


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enfim o corpo se molda à anatomia da casa. estudos superficiais apontam para o parentesco entre esqueleto e cimento, tijolos e vértebras, colunas e vigas - estruturas a sustentar os mais variados tipos de edificações, as grandes e as pequenas, as flutuantes: a mulher. e no fim de uma extensa lista de formas erguidas, soterrada de rotinas, esquecida entre as meias ímpares, a mãe.




março de 2022



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