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Vista Chinesa

de Tatiana Salem Levy

Ed. Todavia - 2021


Não é fácil falar de Vista Chinesa. Talvez por ele contar uma história difícil. Por ser um livro imenso e absolutamente verdadeiro. Vou falar sobre ele tentando dar conta do seu tamanho. Começo pela epígrafe, extraída dos Diários de Kafka: "Escrevo isso em desespero com meu corpo e com meu futuro nesse corpo".

Tatiana Salem Levy encara o desafio de narrar a experiência que muda a vida de uma mulher, Júlia. O desafio é que "isso" tem algo de inenarrável, por ser uma experiência corporal de extrema violência, porque traz a dimensão do real que foge às palavras. Ao mesmo tempo, justamente pela violência dessa experiência, Júlia busca as palavras. Então se trata de um paradoxo pleno de sofrimento, em que não sabemos, junto com Júlia, se o melhor é buscar as palavras - pois encontrá-las é se aproximar do horror. E ela não quer voltar ao horror, quer fugir dele. Mas é preciso voltar, porque como lemos desde a primeira página, "...há coisas que, mesmo depois de terem acontecido, continuam acontecendo. Elas não te deixam esquecer porque se repetem todos os dias." Essa frase nos avisa que algo vai continuar acontecendo nessa narrativa. O retorno do acontecimento dita o ritmo dessa história. Pois ainda que Júlia avance, a "coisa" volta.

E é assim que acontece com o que nos impacta, principalmente com as experiências dolorosas. Elas voltam, como numa espiral; gosto da imagem da espiral do caderno, que a cada volta reencontra as páginas - que são sempre as mesmas, mas nunca estão no mesmo lugar. São as mesmas, o arame do espiral é o mesmo, mas a cada volta se dá outro encontro. E começamos nova volta. E depois mais outra. Tudo de novo, e parece o mesmo, mas não é mais - embora seja muito parecido. Depois de muitas voltas, de muito falar, depois do efeito do tempo e das palavras, nos distanciamos do começo. A mudança de perspectiva do olhar nessa trajetória falada é que pode provocar alívio.

Por último, e não menos importante: Tatiana contou a história do que aconteceu a uma grande amiga sua. Talvez venha daí a sensação que me provocou a leitura, de estar muito perto de Júlia. De quase estar "na pele" de Júlia. Um efeito muito particular desse livro, e que torna a leitura ainda mais intensa e especial.

Tatiana, li todos os teus livros, e fico sempre entusiasmada com a chegada de um novo. Vista Chinesa fez aumentar minha admiração por ti. Obrigada!

Tua escrita é sempre um presente pra mim (e como é bom um presente...)




Publicada em junho 2021, no Instagram


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